quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Relato Paris Brest Paris 2011- Carlos Murassutti

PBP - PARIS BREST PARIS: 1230km
SABOR DE CONQUISTA

Dizem que o bacana da vida e poder olhar para tras e com muito orgulho dizer – Valeu a pena.... faria tudo de novo.
Participar de uma prova ciclistica centenaria onde praticamente todos os participantes, independente da sua posicao de chegada, sairam vitoriosos e puderam levar para casa o delicioso sabor da conquista, foi algo muito especial e extremamente gratificante.
Experiencia única, possibilitada gracas ao espirito randonneur do PBP e tambem pelo fato de que cada participante poder estabelecer o seu objetivo pessoal a ser alcancado na prova.
Consequentemente, para que isto fosse possivel, o espirito guerreiro de cada ciclista precisou ser colocado a prova/incorporado para enfrentar as mais adversas situacoes com muita persistencia e resistencia, que por muitas vezes chegou ao limite fisico e mental.
Adversidades que se apresentaram com graduacoes diferentes para cada participante nos diversos aspectos, seja de um simples problema mecanico,o clima adverso/intempereas ate o psicologico com todos os medos e fantasmas que a prova implicava/representava/demandava.
Estrategias diferentes foram adotadas para que cada um realizasse o seu sonho e escrevesse o nome no PBP , mas o objetivo maior nunca deixou de ser comum e coletivo, que era o de terminar a prova dentro do tempo limite escolhido e pela organizacao estabelecido.
E neste sentido, o Paris Brest Paris 2011 foi palco perfeito para que todos pudessem exercitar este espirito guerreiro e se tornassem efetivamente os herois de suas historias atraves de muita dedicacao e superacao. O cenario foi idealizado com extrema maestria, perfeito desde os dias que antecederam a prova,passando pela vistoria das bikes ate o momento de cruzar a linha de chegada e de imediato poder ver as fotos do audacioso desafio concluido. (/finalizado/superado.
Como em qualquer grande espetaculo, o palco foi preparado para uma bacana/badalada festa na largada, com muita empolgacao,musica, alegria e no ar um misto de ansiedade e de expectativa do que viria pela frente nos 1230km a serem pedalados. Chegado o momento esperado, todos a postos,muita adrenalina, maos suando, coracoes batendo forte e cercado estavamos por milhares de guerreiros dos mais diversos paises e nacionalidades prontos para partir. Que ao termino da contagem regressiva e ao som de uma buzina em blocos partiamos como seguindo uma procissao por um caminho especialmente bem definido e sinalizado, dispensando qualquer mapa ou orientacao.
Pedaladas e mais pedaladas, o tempo voava, a prova avancava e a prevista dispersao natural acontecia, sendo a alegria e a empolgacao dos primeiros quilometros substituidos por um quase silencio, que podia ser entendido como sinal do primeiro cansaco ou apenas para contemplacao da belissima paisagem que nos era apresentada. Paisagem aliada a invejavel infraestrutura da prova e do pais, nos fazia pensar no quanto ainda temos a fazer em nosso pais, principalmente no quesito respeito aos ciclistas.
Mais pedaladas, e temos a confirmacao de que o ponto forte, o ponto marcante da prova seria o espetaculo apresentado pelos expectadores, pelas pessoas que acompanhavam e apoiavam a prova ao longo do percurso, seja nas estradas ou nas cidades, de dia ou de noite, no sol ou na chuva com enorme entusiamo e muito carinho. Nao importava a posicao que se encontrava na prova, se estava bem ou esgotado,a admiracao e o respeito eram demonstrados pelo desafio assumido e o esforco dispendido por tantas horas seguidas. Tratamento recebido como se herois fossemos, atraves de uma simples palavra de apoio (allez), de aplausos simples ou mais calorentos, da musica cantada ou tocada até a delicadeza da oferta do bolo com café, oferecidos sempre com sorriso largo e muita gentileza, que em troca ficava apenas a sugestao de um postal a no futuro ser enviado.
A integracao da prova, que acontece de 4 em 4 anos,com as comunidades, seu povo e os ciclistas era altamente harmoniosa, quimica perfeita que gerava ingredientes/combustivel que recarregavam nossas baterias, trazendo novas forcas para que cada um desse o melhor de si na busca de seu objetivo. Passar por aquelas pequenas cidades, que a principio pareciam todas iguais, mas que na sequencia (iamos descobrindo)/descobriamos que eram cheias de sutilezas nos contagiava e enchia de emocoes, especialmente naquelas que com banda de musica ou um solitario saxofone nos recebiam.
Estar no meio daquela legiao de estrangeiros das mais diversas nacionalidades, em pequenos ou grandes grupos,cada um mostrando com muito orgulho na camisa ou no peito o seu pais de origem, dispensava a fala de qualquer lingua estrangeira para juntos pedalar, pois o ritmo era determinado pelo girar do pedal e na sincronizacao das trocas de marchas. Acompanhar um pelotao no meio da noite andando mais forte, com toda a tensao e atencao requerida e a minha bike rangendo alto foi simplesmente sensacional. Sabor que se repetiu inumeras vezes, no sol ou na chuva, seco ou molhado, reta, subida ou descida, nao tinhamos escolha do que vinha pela frente. Encarar uma subida nao era apenas mais uma subida, mas a certeza de encontrar algo novo, que podia ser uma nova paisagem, uma nova pequena cidade, mais pessoas incentivando ou somente uma outra subida, que postergava a nossa recompensa.
E como deveria ser, os pontos de controle da prova extremamente bem organizados, mas que de qualquer forma pelo numero de participantes nos tirava mais tempo do que o planejado, que compensados eramos pela fartura de comida que servida era para alimentar o corpo e a alma. A visao dos ciclistas guerreiros nos pontos de controle, se alimentando ou apenas aliviando as dores e o cansaco, sentados, deitados ou num canto encostados não era nada agradavel, retratava o ser humano na sua forma mais natural e primitiva com toda a sua constrangedora vulnerabilidade.
Passaporte carimbado, chip registrado,pomada passada, corpo e mente alimentados, auto estima e confianca energizadas, a prova seguia sempre seu roteiro tracado com a mesma impecavel organizacao e o tremendo apoio da populacao. Porem, a esta altura da prova apos tanta quilometragem percorrida, os guerreiros ja nao eram mais os mesmos de quando partiram, fora a cabeca pesada e o corpo exausto, carregavam neste momento muitas outras experiencias/vivencias. Da alegria da partida,aos percalcos do caminho, da incerteza na largada e agora a quase certeza da chegada, tudo isto fazia o pensamento rever as razoes que motivaram a estar naquela empreitada.
Inevitavel nao olhar para tras e rever o proposito de estar la, o esforco da preparacao, dos audaxes brevetados, das dificuldades no percurso da prova, que foram diferentes para cada participante, dos quilometros ja percorridos e os que viriam, e este pensamento so fortalecia e deixava mais proximo da chegada.
Saber que estava proximo parecia que a deixava mais longe, a sensacao era de que muito mais pedaladas eram necessarias para fazer um mesmo quilometro quando do inicio da jornada, devido ao corpo ja cansado e a ansiedade natural para ver a reta da chegada.
Mais pedaladas com pernas quase anestesiadas, para alguns ainda um passeio para muitos o desgaste final, o corpo devastado,estomago corroido, fel na boca, cabeca zoando pelas horas nao dormidas, adrenalina a mil e a unica vontade a de chegar. A voz que vinha de dentro era para manterr a motivacao para as ultimas pedaladas da superacao.
No olhar o portal da chegada, disparam emocoes e pensamentos, entre eles a certeza da tarefa cumprida, da conquista, da superacao, do auto conhecimento e do sonho realizado, forcas agora somente para comemorar tal facanha.
Cruzo(amos) a linha de chegada, e no meio destes tantos pensamentos o sentimento de privilegio, privilegio por ter pedalado com meu irmao, que devido a distancia geografica de estado e da vida que nos separa, so tinhamos pedalados juntos uma vez, e agora por tantas horas, como grandes amigos em busca de um mesmo ideal,.. inesquecivel.
Obrigado meu irmao, valeu, na proxima tambem vou de speed e voce nao vai precisar esperar nem se perder.
Poeira tirada, banho tomado fica a experiencia e o aprendizado de uma grande aventura que todos, inclusive para aqueles que pelo caminho ficaram, carregaremos para sempre. O desejo agora, e que com este aprendizado somado ao espirito randonneur possa nos unir ainda mais pelo pedal, que os emails trocados apos a prova seja apenas um pequeno mal entendido e tambem de aprendizado.
E vestindo ou nao a camisa do Brasil, mas carregando sim no peito o orgulho de ser brasileiro possamos deixar nossas marcas no PBP, nao so dos pneus nas estradas francesas, mas do companheirismo e amizade tambem. E que na bagagem de volta possamos sempre trazer o delicioso sabor da conquista e da amizade, e se questionado formos de como foi a experiencia, possamos responder com muito orgulho: Valeu muito a pena, faria tudo de novo.

Carlos Murassutti
Curitiba-Paraná

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Relato Paris-Brest-Paris 2011- Rogério Carneiro

Tarde ensolarada de domingo 21 de agosto de 2011, temperatura na casa dos 30°C, eu e meu amigo Nilson estamos em Paris França, onde 6000 ciclistas aguardam o início da mais importante prova ciclística de longa distância do mundo o Paris-Brest-Paris, 1200 km de muita aventura.
Pelotões de 800 ciclistas partem a cada ½ hora, são 19:00 horas esta chegando nossa vez, um filme começa a passar diante de meus olhos. Estou agora com minha bicicleta sobre a linha de largada, últimos ajustes, uma invasão de pensamentos tomam conta de minha mente, pensamentos em Deus, na família, amigos, nos treinamentos, enfim preciso me conter para não chorar.
São agora 19:30 horas, inicia-se uma contagem regressiva recitada pela multidão, pronto, foi dada a largada para mais 800 intrépidos e “audaxiosos” ciclistas. Pedaladas rápidas e objetivas perseguem 02 batedores em possantes motocicletas cortando as ruas da cidade em meio a aplausos, gritos, palavras de incentivo,buzinas, música e muita euforia. Alguns quilômetreos a frente as motocicletas saem de cena, agora é fé em Deus e pé no pedal.
No pelotão um silêncio que dá arrepios, somente o som dos câmbios das bicicletas, apreensão misturada com sentimento de alívio passam a ser os companheiros de pedal.
140 km do local de partida chegamos ao primeiro posto de controle, uma multidão aguardando a chegada desses porque não dizer loucos ciclistas ou ciclistas loucos.
Uma grande estrutura com restaurante, banheiros, ambulatório, oficina de bikes a nossa disposição, parabéns afinal estamos na França realmente é outro mundo.
Uma vez alimentados vamos agora em direção ao segundo PC e assim sucessivamente até Brest onde pretendemos dormir algumas horas.
A pedalada esta sendo bastante agradável, alcançamos um pelotão de espanhóis e começamos andar no vácuo. Fizemos amizade rapidinho e já estávamos até puxando o pelotão. Era noite o pelotão estava andando numa média muito alta, 55 km/h para menos de 200 km percorridos. Acompanhamos este pelotão por 50 km e então resolvemos abandoná-los e tirar um pouco o pé, caso contrário poderíamos não alcançar nosso objetivo.
Alcançamos outros pelotões onde andávamos juntos, revezávamos e outras vezes apenas observávamos o jeitão dos europeus pedalarem. Fez uma noite bastante agradável e sem maiores surpresas.
Amanhece o dia e somos surpreendidos por pessoas a beira da estrada oferecendo café, bolo, biscoitos, sucos e água com uma grande alegria estampada em seus rostos. Paramos para fazer uma boquinha e ficamos mais uma vez surpreendidos com o tratamento, com o carinho em que fomos recebidos ainda mais quando dissemos que éramos brasileiros. Obrigado a todos os Franceses!
Não podia deixar de relatar aqui, quando em uma dessas paradas que fizemos para tomar um café a beira da estrada, uma dessas famílias nos mostrou um álbum de fotos onde apareciam crianças pequenas oferecendo café e biscoitos a um grupo de ciclistas participantes do Paris-Brest-Paris, e então nos falaram que aquelas crianças das fotos eram eles e agora adultos e já pais de família.
São fotos de cerca de 30 anos, ou seja, esta família acompanha o Paris-Brest por gerações isto é tradição para eles o que realmente me deixou boquiaberto. Merci Beaucoup!
Mais uma noite em cima da bike, frio, subidas e muito sono estávamos chegando em Brest, graças a Deus inteiros e com saúde.
Após 600 km chegamos em Brest bastante cansados, fomos direto para o hotel, mergulhei na banheira onde acabei dormindo, meu colega me acordou, fui para a cama e dormi 06 horas mas que pareceram 06 segundos. Acordei fui para o banho, tomei um belo café da manhã e em seguida partimos rumo a Paris felizes e contentes, pois agora todos os quilômetros percorridos são regressivos.
Alcançamos um pelotão de dinamarqueses e fomos orientados a não pedalarmos no meio do pelotão, ou pedalávamos bem a frente ou íamos no vácuo. Um pelotão muito sistemático, onde não existia um revezamento, somente uma pessoa puxava os demais, pedaladas constantes e em silêncio, um pelotão onde todos tomavam água ao mesmo tempo é pra lá de sistemático.
Acompanhamos este pelotão por cerca de 60 km até o outro PC onde carimbamos nossos passaportes e nos alimentamos para repor as energias. Partimos juntamente com os dinamarqueses, mas alguns quilômetros a frente estes resolveram parar, talvez estivessem com algum problema, seguimos então com outros ciclistas fazendo um revezamento no pelotão.
Havíamos percorrido 700, 800 km e as demonstrações de fanatismo e carinho por parte das pessoas que assistiam a prova ao longo da estrada nos davam forças para continuarmos pedalando. Começamos a observar ciclistas dominados pelo cansaço dormindo a beira da estrada enrolados em mantas térmicas, em cima de muros, na grama e até mesmo havia um dormindo dentro de um buraco onde era possível enxergar somente os pés do pobre infeliz.
Estamos agora a cerca de 60 km de Paris, estamos pedalando sozinhos e revezando a uma média pontual de 45 km/h . Um ritmo enlouquecido, passávamos outros ciclistas como se estivessem parados não sei de onde tiramos tanta disposição, afinal já havíamos pedalado mais de 1100 km.
Após 74 horas e 55 min. chegamos em Saint-Quentin, aplausos, euforia, fotos, abraços e um sentimento de dever cumprido.
Agora é festejar, relaxar, trocar camisas, parabenizar a todos, agradecer a Deus e aos franceses por terem permitido a vivência de momentos que com certeza ficaram para sempre em minha memória.
Gostaria de mandar um abraço ao Erich de Santa Cruz do Sul que apesar de ter sua bike danificada conseguiu concluir com uma bike emprestada, um grande abraço a guerreira Lidiane com quem encontrei no aeroporto em Paris quando retornava ao Brasil, 2015 tem novamente, ao meu amigo Lazari que encontrei no Louvre, ao “Estrela” Faccin, obrigado pelas dicas foram muito úteis, ao pessoal de Bagé que representou muito bem a Rainha da Fronteira, sou de Bagé também, aos ciclistas de Curitiba que encontrei na chegada, ao Cézar do Rio, desta vez o parafuso aguentou , um abraço à Simone ao Alexander e a muitos outros brasileiros que participaram deste grande evento.
Um abraço ao meu amigo Homero que se dispôs a viajar até Paris para ser meu apoio em Brest, companheirão, e ao meu colega de pedal Nilson, é sempre um prazer pedalar contigo e espero ter muitas outras oportunidades de pedalar ao seu lado.
Muito obrigado, 2013 tem o London-Edinburgh-London e em 2015 o Paris-Brest-Paris espero poder participar se Deus assim quiser. Au Revoir!

Rogério G. Carneiro