RELATO brevet 600km
Campinas /SP 26/07/2004
“Comece devagar e continue, demore todo tempo que for necessário
para atingir seu objetivo.”
Antes de começar a prova eu procurei incutir essas palavras em minha
mente, dessa vez estava sendo diferente das outras, tinha tudo para dar certo,
começando pela nossa saída do Rio, fomos pontual e conseguimos sair às 10hs da
manhã, conforme havíamos combinado. Eu “Cezar, Pedro e Alec”, não tinha como
atrasar, porque nós já havíamos feito todos os preparativos no dia anterior,
pois nas competições passadas, nós já havíamos passado por experiências
horríveis com o transito e isso nos custou muito, afinal de contas nós
estávamos indo fazer 600km, com as bikes presas no rack, partimos Rumo a
Campinas
A
viagem foi muito tranqüila, estávamos bastante descontraídos apreciando as
paisagens e quando passamos pela Dutra, comentamos sobre o passeio para Aparecida, Patrocinado pela
Amazonas-bike, o ponto da conversa era sobre a Protéica, que sempre estava na
frente da galera com seu selim invisível, porque sua protuberância escondia
tudo, João e Paulinho é que sabem contar essa historia, fizemos nossa primeira
parada no grill de Resende, depois de muito sacrifício para convencer o Alec,
pois ele queria adiantar o Maximo da viagem ate o grill de S. Jose dos Campos,
mas começamos bem com nossa primeira
parada, conseguimos estacionar em um lugar seguro e nossas maquinas estavam expostas juntamente
com todos os nossos equipamentos, ao nosso lado estava estacionando um carro
com uma família muito simpática, que ficaram olhando para nossas bikes achando
muito estranhas, entramos no grill e fomos lavar as mãos, mas decidimos ir dar uma olhada na churrascaria,
antes de entrar na parte dos lanches, não precisa dizer mais nada, ficamos ali
mesmo, a rampa estava linda, nossos olhos brilharam e nossos estômagos roncaram
ao sentir o cheiro das comidas expostas, saladas, massas, rabada com polenta
etc... E os doces, sem comentários, detonamos tudo, de tanto nós irmos ate a
rampa fizemos amizade com a família que havia estacionado ao nosso lado,
começamos a brincar com eles dizendo que comer muito doce engorda, principalmente quando você come com o
sentimento de culpa, depois fomos para os licores e café, só depois dessa
maratona gastronômica, partimos em direção a Campinas, mas sempre na procura de uma casa lotérica para
tentar fazer o jogo da maga-sena que estava acumulada, não encontramos nenhum lugar aberto e daí em diante o Alec
começou a sonhar que iria ganhar sozinho, porque já havia feito o jogo no Rio,
mediante isto, a viagem se tornou uma viagem de sonhos, pensando no que iríamos
fazer com a grana da loto, a essa altura da viagem, estávamos escutando George
Benson, nós queríamos escutar nosso hino do Guess Who, “These Eyes”, mas o cd não estava rodando, quando
menos esperamos, já estávamos chegando ao nosso destino, antes de ir para o
hotel fomos ao Decatlon para ver equipamentos, mas saímos decepcionados não encontramos
nada que queríamos, compramos alguns acessórios e partimos para o hotel, na
subida da rampa encontramos o gaúcho carregando uma caixa com sua bike zero e
demos uma carona a ele. Chegamos no hotel as 17:00 hs e começamos logo os
preparativos de montagem, ajustes e checagem de material, queríamos dormir
cedo, a largada estava marcada para as 06:00hs da manhã, nesse período já
havíamos feito o chek-in e subimos para o nosso quarto, assim que entramos o Pedro foi tomar banho, o Alec tirou da
bolsa um colchão mágico para massagem e eu fui montar o som, ai sim, fomos escutar nossas musica favorita, These eyes, cry every nigth
for you etc...durante a viagem, nós havíamos conversado sobre varias formas de
terapia para combater a dor, e a musical foi à escolhida para ser aplicada,
antes e durante o percurso de 600km, fomos ao restaurante do hotel, comemos saladas e massa e ai fomos dormir lá pelas
23:30hs, era cedo em comparação as
outras vezes . Nossa alvorada foi as 04:30 da madruga, These eyes voltou a tocar novamente, mas o Pedro não
ficou muito satisfeito, parecia que a musica estava agindo de forma contraria
em seu corpo, (causando dor) afinal de contas ainda era madrugada e ele não
iria participar do Audax como atleta, começamos o dia com alongamento na cama e
depois as idas para o banheiro, essa
parte é melhor eu não contar porque assim esse relatório pode passar mal, mas
era insuportável o resultado depois que saia alguém, o Pedro é que sabe, isso
já era de se esperar, a parada no grill era responsável, mas ao mesmo tempo,
nós precisávamos colocar para fora tudo de ruim que existia dentro da gente, e
assim foi feito. As 06:00hs da manhã estávamos leves e soltos, prontos para
partir formando o primeiro pelotão,(Cezar, Alec,Tchê), ficamos um pouco
embaraçados, porque ainda tinha gente montado as bikes por ter chegado de
madrugada, ainda pensei em esperar o Jaider e Morales, que estavam estreando as
suas speed-ligth, afinal eles seriam os
meus parceiros de equipe reclinadas, mas percebir que eles ainda iriam levar
algum tempo para sair e assim partir com o primeiro pelotão, Seguimos tranqüilo
porque a manhã prometia um dia lindo, assim fomos pedalando os primeiros 60km
juntos, houve o primeiro momento engraçado, a corrente do tchê saiu, ai ele
parou, mas esqueceu que estava de sapatilha, era uma subidinha, derrepente vejo
ele caindo em câmara lenta, se estabacou, larguei minha bike e corri para
socorrê-lo, porque ele havia caido para o lado da pista, a sorte foi que não
tinha carro passando, de brincadeira
falei para ele da próxima vez cair fora da estrada, e assim fomos pedalando
curtindo o nascer do sol, estava muito lindo, não conseguíamos olhar para a
bola de fogo que crescia e ia ofuscando nossos olhos, mesmo com óculos escuros.
Segui minha pedalada mantendo os meus 25km de media, a essa altura o Alec e
Tchê já tinham sumido, havia bastante subida,
eu estava me poupando para completar a prova, afinal era 600km, e a
prova estava apenas começando, minhas frases continuavam soando em minha mente,
”comece devagar e continue, demore o tempo que for necessário para atingir seu
objetivo”, segui observando a natureza subindo a rodovia 065 em direção
Jacareí, o primeiro PC, estava em um posto de gasolina (BR) no sentido de
Campos do Jordão, observei o viaduto que passava por cima da Dutra, mas
distraindo resolvi acompanhar o sentido da placa para Jacareí, fiz o retorno no
final da 065 e entrei para o centro da cidade, antes de chegar na cidade parei
em uma vendinha para beber água de coco, comecei a chamar e não aparecia
ninguém, quando estava saindo, apareceram dois
garotos que ficaram admirados com a bike e começaram a fazer as
perguntas de sempre, como faz para andar nesse negocio etc.. Na verdade eu
estava com presa e não tive paciência para esperar o coco, quando me preparei
para pegar a estrada, passou um carro e tive que ir pedalando pelo acostamento
de chão, parei porque havia muita pedra
por baixo do mato, quando coloquei o pé no chão, senti minha sapatilha afundar
num gagalhão, tive que ficar parado porque o outro pé estava preso no pedal,
falei para mim mesmo, muita calma nessa hora, sai da bike e comecei a limpar a
sapatilha no mato, mas não tinha jeito, o troço fedia muito, não sei que bicho tinha feito aquilo, era algo
nojento, peguei um pedaço de madeira e fui tirando o residual da trava da
sapatilha, mas a inhaca continuava no meu nariz, depois disso deduzi que os
meus companheiros de quarto não estavam tão mal assim, não desanimei, induzi
minha mente a acreditar que o acontecido iria me trazer sorte, entrei em
direção a cidade e passei por um posto de gasolina, que julgava ser o primeiro
PC (posto de controle), mas não encontrei ninguém fantasiado de ciclista,
peguei o mapa, mas não olhei a planilha com os detalhes e continuei pedalando
em direção ao centro, avistei outro posto
de gasolina, quando tentei subir o meio fio, furei o pneu dianteiro, não me
desesperei, falei para mim mesmo outra vez, muita calma nessa hora “Cezinha”,
encostei a bike no muro, retirei a roda, peguei minha bolsa com reparo, quando
o cara do posto ao se aproximar disse
que havia uma loja de bike na esquina, mas a decisão que tive foi eu mesmo trocar a câmera, agradeci ao rapaz e perguntei
se havia outro posto de gasolina da BR,
ele disse que sim, me indicando um próximo após a ponte, segui cidade adentro
e as pessoas estavam admiradas com minha bike, as crianças saindo da escola
gritavam e o transito ficava livre para mim, eu achando o Maximo aquele momento
em que estava sendo ovacionado pelas pessoas, parecia que estava chegando no
final dos 600km, derrepente meu tel
tocou, ai eu cair na real que estava no
caminho errado, a ligação era do Alec, que estava me esperando para sair com o
1º pelotão, momento depois não conseguia mais falar com o Alec, o tel estava
fora de área, ai tentei o tel do Abel e pude confirmar que estava totalmente
errado, já eram 12:00hs nesse momento olhei para o relógio e vi que já estava uns 40 mints atrasado, foi quando
resolvi voltar para a 065 e fazer o retorno pegando a 070 em direção ao Rio,
nessa altura do ciclismo, já havia ligado varias vezes para o Abel pedindo
orientação, parecia que aquele cagalhão que eu tinha pisado, estava me
perseguindo e estava fazendo força contraria a sorte que o ditado diz, ”pisar
em merda da sorte” finalmente estava no caminho certo, quando derrepente meu
pneu começou a esvaziar, ate chegar o primeiro PC no posto da BR, foi o tempo todo assim, minha sorte é que
estava perto, tinha em mente consertar o pneu e voltar logo para tentar
alcançar o Alec e Tchê, fui ate o banheiro lavar o rosto, tomei um chocolate
quente e finalmente limpar a sapatilha direito, no PC estavam o 2º pelotão,
Abel, Pedro, Plínio e o mecânico, que deu uma geral na minha bike, trocou a
câmara que estava com problema no bico, contei a historia do cagalhão e a
galera se divertiu, quando estava me preparando para sair com o 2º pelotão de
Niterói, chegaram Jaider e Morales e pediram para eu esperar um pouco, que eles
já iriam sair e assim fiquei uns 20 mints esperando, fizemos fotos, falamos
sobre os componentes das bikes e partimos, ops ia esquecendo comi um pedaço de
rapadura que o Jaider estava levando, ele devia ter uns 3 kilos e estava
oferecendo para todos, afinal ele queria eliminar peso, saímos, fizemos o
retorno em direção ao Pc 2 (330km) no hotel, agora eu fazia parte do 3º
pelotão, estava decidido a voltar a fazer a minha media de 25km, pois havia
caído para 23.5km, devido o problema do pneu, como a volta tinha mais descida,
resolvi aproveitar para recuperar o tempo perdido e acelerei deixando os meus
companheiros de reclinadas a ver poeira, alcancei o 2º pelotão, mantive o mesmo
ritmo e outra vez deixei o 2º pelotão a ver poeira, eu estava o Maximo, feliz
da vida descendo a uns 75km, era demais..., quando começou a aparecer às
subidas não me dei por vencido, eu não queria desanimar, porque tinha que
alcançar o 1º pelotão continuei forte, foi ai que me aconteceu o inesperado,
quebrei o banco, peguei o telefone para ligar para o Pedro, mas o cel estava dando fora de área,
nesse momento parou um carro com um senhor dirigindo e perguntou se eu
precisava de ajuda, perguntei se ele tinha algum pedaço de arame no carro , ele
disse que não, mas que havia um posto
de gasolina do outro lado da rua, parei um pouco, pensei e falei para mim mesmo
que não podia desanimar, nesse momento me veio ao pensamento o M’Gaiver,
rapidamente paguei a câmara de ar de reserva e fiz uma amarração na haste do
banco, conseguir adiar o problema por mais alguns quilômetros, nisso o pelotão
de Niterói passou por mim , mas eles não podiam fazer nada, liguei para o tel
do Abel e consegui falar com o Pedro, quando falei que o banco estava quebrado
ele falou que viria ao meu encontro, falei de imediato que ele estava proibido
de vir porque assim eu seria desclassificado, eles estavam em um PC a 60km de
distancia, minha posição era ingrata, estava pedalando com o corpo para frente
porque não conseguia encostar as costas no banco, subia e descia sem encosto,
minhas pernas começaram a doer e iniciar um principio de cãibra, mas na minha
mente, a vontade de completar os 600km era muito maior que a dor, comecei a
lembrar da musica e cantar “These eyes” para combater a dor, e assim fui ate o
Pc no pedágio do km 58 da 065, cheguei larguei a bike na mão do Pedro e corri
para banheiro, na minha bolsa que estava no carro, tinha uns zip- tired, dei
Para o Pedro fazer um gatilho, porque o outro banco estava no hotel a 72km,
enquanto isso, eu comia melancia e fazia alongamento para relaxar as pernas,
que estavam doloridas da posição, já eram 19hs, tinha perdido muito tempo o 2º
pelotão estava de saída novamente e eu preocupado com o tempo, porque o banco
não ficava pronto, depois de muito tempo, o Pedro liberou dizendo que estava
ok, montei na bike e partir, sai dali
feroz, mas foi por pouco tempo, andei uns 08km e novamente o banco quebrou,
agora as hastes estavam partidas e não tinha como fixá-las, precisei incorporar
novamente o M’Gaiver e conseguir engatilhar o banco de uma forma que não me
deixou tão desconfortável, quando dei as primeiras pedaladas, furou o pneu traseiro,
parei no acostamento, já estava escuro e falei novamente para mim mesmo, “Muita
calma nessa hora Barbosinha” vamos trocar esse pneu que isso não é problema, e
assim o fiz, coloquei a lanterna na boca e conseguir reparar o furo, passei a
mão pelo pneu e retirei uma farpa de aço responsável pelo furo, dei ar no pneu,
mas antes de partir mentalizei novamente, “comece devagar e continue, demore o
tempo que for necessário para atingir seu objetivo”. Reiniciei meu pedal
mentalizando o PC 2 que era no hotel, lá teria outro banco para ser
substituído, ainda na estrada passei por um posto de gasolina e consegui um
pedaço de arame, fiz o reforço do gatilho que me fez chegar ate o km330 no
hotel, deixei a bike com o Pedro novamente e subi para tomar um banho, eram
23:30 hs, logo depois chegou o Alec que estava completando os 380 km, cumprindo
a estratégia conforme havíamos combinados durante a viagem, essa estratégia não
valia mais para mim, comecei a ficar confuso, pensei em ir dormir e acordar as
04:00 hs da madrugada para seguir direto, mas algo me dizia que era melhor eu
fazer os 50 km para igualar aos 380 km do Alec, Seria muito puxado fazer 270 km
direto, ainda mais, eu estava debilitado devido aos esforços que não estavam
programados, e assim o fiz, tomei um banho frio , comi um pedaço de pizza,
abasteci minhas garrafas com energéticos e partir as 00:00 hs para fazer os 50
km e me igualar aos 380 km com o Alec, montei na bike e encontrei Jaider e
Morales chegando, perguntei se eles queriam ir comigo , mas disseram que iriam
descansar um pouco, assim que sair do hotel
estava rolando uma festa Rave na esquina, fazia muito frio e as pessoas
quando me viram àquela hora com aquele traje pensaram; chegou mais um maluco
para a festa, levantei as mãos dando um sinal de maneiro e partir para
completar os 50 km em busca do
passaporte para a etapa final, as 02:00 hs da manhã, estava eu de volta
passando em frente à festa rave, dando um grito de felicidade trazendo o numero
chave 69 com a consciência mais tranqüila, agora só restavam 220 km , falando assim
parece ate uma sacanagem que fizeram com a gente, subir para o quarto, tomei um
banho, cair na cama e dormir como uma pedra. As 03:30 hs o tel tocou, o Alec
havia pedido para acordar aquela hora, me chamou para sair com ele, mas era
impossível, meu corpo não obedecia mais o comando da mente, as perguntas eram
freqüente, o que eu estou fazendo aqui?... porque eu estava fazendo aquilo com
meu corpo?... o que eu iria ganhar com aquilo?... para quem eu queria mostrar que
era um super homem, nunca mais faço isso etc... votei a dormir pensando que
tudo era um sonho, quando foi as 04:00 hs
da madrugada meu relógio começou
a despertar, ele toca ai você aperta um botão, mas se você não desligar o
alarme, ele continua tocando de 5 em 5 minutos, ele tocava e eu dormindo apertava o botão para parar, e assim
foi ate 04:30, porque o Pedro já não suportava mais o despertador e me fez sair
da cama, fiz uns alongamentos na cama , depois tomei um banho frio e desci para
tomar café, as 05:30 estava partindo para completar os 220 km que restavam, a
madrugada estava fria, o céu estava mudando de cor, um cinza claro partindo
para uma cor vermelha de fogo, era o sol que estava surgindo e meus olhos
observavam aquela mutação com admiração, meus
olhos nunca tinham vistos coisa mais linda, comecei a cantar minha
canção e agradecer a Deus por aquele momento único na minha vida, nesse momento
pude perceber o quanto o ser humano é
tão pequeno, eu estava feliz e encantado diante daquela grandeza que o universo me proporcionava e isso já havia
respondido a todas aquelas perguntas que
vieram a minha mente quando o cansaço me envolvia, confesso que senti um pouco
de pena daquelas pessoas que ainda estavam na festa rave, porque tudo isso
estava ali diante dos seus olhos, mas eles pareciam não ver, assim segui feliz
o meu pedal podendo apreciar o percurso de 50 km que havia feito na madrugada,
fui pedalando na direção de Holambra, passei por vários campos floridos de
lírios,estava pedalando sozinho mas parecia que havia uma procissão me
acompanhando fazendo festa, ria, cantava e sempre que os pensamentos
desanimadores surgiam (aquele do tipo, será que o banco vai quebrar novamente)
eu lembrava logo da minha frase “comece devagar e continue, demore o tempo que
for necessário para atingir seu objetivo” , por um momento veio ao pensamento o
meu amigo Lara, há uns dias atrás ele havia me dito que estava fazendo Raik,
peguei o tel e liguei para ele, chamou e entrou na secretaria, mas não
satisfeito, resolvi ligar no tel na casa da mãe dele, de prima atenderam, e era
ele, dizendo que estava pensando em mim naquele momento, perguntou onde eu
estava, eu disse que estava em Campinas fazendo 600km, falou que eu era maluco
e perguntou o nome da rodovia que eu estava seguindo que ele iria mentalizar
uma oração e iria ficar tudo bem, fiquei super feliz, porque tudo que eu
precisava era me livrar do fantasma do
cagalhão. Já tinha em mente que só
precisava fazer 220 km, 110 km para ir e 110 km para voltar e pronto, não sabia
quantos ciclistas estavam a minha frente, queria apenas completar os 600 km
dentro do tempo estipulado, lembrei que havia combinado com a Julia para ela me
ligar as 06:00 h s, mas como o telefone não tocou deixei para ligar as 07:30, e
assim fiz, comecei a contar aquele momento lindo que estava vivendo, ela me
perguntou como estava indo e lhe respondi que estava tudo bem, mesmo que não
estivesse, eu jamais iria lhe dizer que
estava difícil, porque não queria deixar ela preocupada comigo, desliguei o tel
e acelerei o pedal curtindo uma reta plana, minha media chegou a subir para
25.9 km, e lá vou eu todo feliz, quando entro numa curva, e lá na frente,
percebo que minha alegria iria durar pouco, começo a avistar umas subidas, que
a principio eu imaginava que seria impossível vencer, parecia um paredão, mas
logo fui me adaptando, porque quando você subia e depois descia, a velocidade
que a bike atingia chegava a 60 km por hora, e isso ajudava para a outra
subida, e assim foi como naqueles tobogãs, sobe e desce, ate a entrada para S.
João da Boa Vista, onde completaria os 490 km, nesse momento a paisagem era tão
bonita que eu passei a levar a competição como um passeio, parava para tirar
fotos com o meu celular, não conseguia captar bem as imagens devido ao sol que
era muito forte e a pouca resolução do cel,
assim fui indo, fazendo meu cicloturismo, quando faltavam uns 10 km para
chegar no PC 4 em S. João, vejo um ciclista vindo no sentido contrario,
descendo num ritmo frenético, era o Alec, já estava de volta com o passaporte
carimbado indo para os 100 km finais, quando ele me disse que só tinha ele na minha frente,
aquelas palavras me serviram como uma injeção de animo, acelerei o ritmo,
percebir que ainda estava no páreo para chegar entre os primeiros. Cheguei no
Pc 4 muito eufórico e pedi para o mecânico fazer um ajuste na bike, fui
correndo ao banheiro liberar um pouco de peso, e ai chegou o gaúcho só de
camiseta e short reclamando que o percurso tinha sido mal elaborado, era muito
pedreira e havia muita subida para 600 km, de certa forma, ele tinha razão,
realmente era muita pedreira e todos nós estávamos consciente disso ao ver o
gráfico, antes da largada, ao sair do banheiro, tomei uma água de coco, abasteci as garrafas e sai saindo, nesse
momento estava chegando o Tchê e mais atrás a equipe de Niterói, não dava para
esperar, meu espírito de competição havia voltado e minha meta era alcançar o Alec, nesse período
fiquei sem receber ligação da Julia, eu tentava ligar mas não conseguia sinal,
dava sempre fora de área e continuei descendo, na altura do trecho 344
presenciei um acidente incrível, um pick-up foi fazer uma ultrapassagem e
estorou o pneu, minha sorte foi que na
hora da ultrapassagem, ele jogou o carro para o lado esquerdo e andou uns 300 m
pela terra e só depois voltou à pista na
direita, eu estava numa subida e fui pedalando bem rápido para saber se alguém
precisava de socorro, quando cheguei próximo, tinha dois senhores do lado de
fora do carro e a roda só no aro, como
vi que eles estavam bem, eu segui meu caminho ate o km 188 que havia um PC
móvel, esse PC ficava no topo da subida, o esforço que eu estava fazendo era
muito grande, a bike não saia do lugar, era como pedalar numa esteira rolante,
não chegava nunca, pelo tel o Abel e o Pedro havia me dito que tinha uma
churrascaria no local, o sol estava muito quente e assim que alcancei o topo
avistei o carro embaixo de uma árvore,
tudo parecia uma miragem, cheguei e fui recebido com um pedaço de melancia,
minhas garrafas estavam cheias de isotônico que eu não agüentava mais beber,
joguei tudo fora e troquei por água, faltavam apenas 65 km, havia bastante
descida, nesse intervalo o Pedro ajustou o banco e perguntei se o Alec já tinha
partido a muito tempo, o Pedro falou que sim,
+ ou – uma hora, ai achei melhor respirar mais, porque seria impossível
alcançá-lo, conversamos um pouco e partir com o banco alto, porque o Pedro
tinha inflado muito e assim segui para o final, mesmo sabendo que não
conseguiria alcançar o Alec, continuei pedalando forte para manter a media que
havia caído para 24.5 km devido às subidas, nesse momento toca meu telefone,
era a Julia, queria saber se faltava muito para terminar, falei que faltava
pouco, uns 50 km e que chegaria por volta das 17:00 hs, naquele momento não
passou nada pela minha cabeça, mas quando ela ligou novamente e perguntou o
nome da estrada que eu estava pedalando, tive uma leve intuição de que haveria
surpresa, continuei firme, outra vez tocou o tel, dessa vez era o Alec para
dizer que tinha chegado, fiquei muito feliz e sabia que eu seria o próximo a
chegar, meus nervos estavam trasbordando de euforia, porque o percurso era
conhecido, já havia passado por ele duas
vez e agora estava passando do outro lado do Pc Virtual Indecoroso 69, dali para frente era só descida e sabia que
tinha apenas 25 km pela frente, lá ia eu levantando poeira, quanto mais perto
do hotel chegava, mais energia eu ganhava, estava me sentindo capaz de seguir
rumo ao 1200 km, 1500 km, 3000 km, tinha uma maquina incorporada em mim,
parecia que eu era a bike!... Quando avistei o hotel, minha adrenalina
triplicou, o tel tocou, era a Julia, eu falei tão rápido com ela, que ela não
acreditou no que eu disse, falei que depois falava com ela, porque estava
chegando para completar os 600 km, e assim que chegasse no hotel iria ligar
para ela, foi uma chegada emocionante, a galera do apoio estava toda me
esperando, aquela ultima rampa do hotel se transformou num tapete vermelho que
me levava a gloria de ultrapassar a barreira dos 600 km as 17:30 hs em 35:30 hs
, após isso era flash para todo lado, estava muito feliz recebendo abraços da
equipe de apoio e pensando que horas antes, estávamos ali naquele mesmo local,
partindo para enfrentar um desafio, que nos era imposto pela nossa simples
vontade de vencer o limite de nossos corpos e fazer valer as palavras “Mente Sã
e Corpo Sadio” e completar 600km. Quando derrepente, entra um táxi no hall do
hotel, a porta se abre, é a Julia que desce brigando comigo porque já havia
chegado, ela queria fazer uma surpresa e achou que eu não estava falando a
verdade quando falei que já estava chegando, minha alegria era imensa e virou
êxtase, corri ao seu encontro e fui lhe abraçar, mas em troca recebi um tapa no
ombro, porque cheguei primeiro que o táxi que a trouxe da rodoviária, notei que
havia alegria em seu coração, mas seu rosto estava confuso, porque a surpresa
que ela iria fazer não saiu como ela queria, para brincar com ela, me equipei
novamente e simulei uma outra chegada, para que ela pudesse me fotografar, esse
momento foi muito engraçado, por causa
da minha espontaneidade de subir na bike e fazer uma outra chegada, mas falei
que ela não tinha culpa de eu ter conseguido pedalar mais rápido que o táxi,
depois nos abraçamos e nos beijamos felizes, meu corpo estava sobre efeito da
adrenalina, subir para o quarto para tomar um banho quente, só ai dei os
parabéns ao Alec, deitado em seu colchão mágico, depois descemos para o restaurante do hotel e fomos
esperar o restante dos atletas chegar, como era de lei, pedir uma cerveja long-
nec, porque precisávamos brindar o
grande feito.
600 km Campinas-SP
Cezar A. Barbosa