quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Um relato do PBP 2011

Um relato dos 1.200km do Paris-Brest-Paris

No esporte e na vida, histórias de superação costumam ser as mais interessantes. Servem de inspiração. O blog bateu um papo com um personagem de uma delas, o microempresário Maurício Helman, que deixou o Rio de Janeiro para participar do desafio 1.200km Paris-Brest-Paris, no fim de agosto. Ele tinha cumprido as distâncias de 200, 300, 400 e 600 km do Audax, pré-requisitos para participar da prova. Mas foi a primeira vez que pedalou por tantas horas e por tanto chão. Viveu, claro, uma experiência inesquecível.

- Nos ultimos 40 quilômetros, eu estava quase chegando, mas precisava dormir, não conseguia mais pedalar, meus olhos estavam fechando. Parei a bicicleta num canto e deitei na relva. Inclusive vi alguns caindo, literalmente, de sono. No meu caso, o guidon chegou a dar uma torcida e foi então que decidi parar. Não sei exatamente quanto dormi, mas foi por mais ou menos duas horas. Fui acordado por dois franceses que perguntaram se estava tudo bem comigo, se eu precisava de água ou ajuda. Eles estavam de bicicleta também, mas não participavam da prova. Os dois foram me acompanhando até eu completar a prova. "A gente vai levar você para completar", disseram eles, muito simpáticos. A participação das pessoas, aliás, foi uma parte tocante da viagem. Os franceses gostam da prova, ofereciam chocolate quente, café e bolo nas cidadezinhas pequenas por onde a gente passava. Era um pessoal muito receptivo. A cada 80 ou 100km tinha sempre uma cidadezinha. Parecia cenário de filme ou de quadrinho do Asterix - relata Maurício, de 49 anos, que completou os 1.200km em 93 horas.

Maurício não é um superatleta. É, sim, um cara que gosta de pedalar e curte superar desafios. Nada de anormal, portanto. Começou a encarar grandes distâncias há três anos. Foi aos poucos. Pegou gosto.

- Sempre pedalei por diversão, comecei a pedalar longa distância em 2008, quando fiz o primeiro Audax, de 200km. Eu nem tinha equipamento de ciclista, pedalei com short de tactel e camisa de algodão. Foi difícil porque ficou tudo molhado, choveu o dia inteiro. De lá para cá eu vim me equipando e melhorando. A bicicleta também mudou muito de lá para cá - lembra.

Depois do Paris-Brest-Paris, quer mais. Quer outras pedaladas de 1.200km por esse mundão afora.

- Foram seis mil ciclistas, sendo 2.500 deles, franceses. O restante, gente de tudo quanto é lugar do mundo. Hoje entrei de tarde no Facebook e tinha um cara da Índia me conectando, que eu conheci na prova. O maior prazer é a troca de experiências com pessoas do mundo todo. E conhecer lugares. Eu não tinha noção, a França é verde, você não vê um pedaço de terra marrom. Tudo é plantado ou é parque. Ter pessoas do mundo todo pedalando ao seu lado é uma experiência que não tem palavra para descrever. A começar na largada, o povo batendo palma e te dando incentivo, tapinha na mão, você se sente um cara especial - narra, entusiasmado.

Completar a prova, superar o desafio é...

- Uma realização, uma conquista pessoal. Essa provas servem para você ganhar autoafirmação pessoal. Quando você consegue completar aquele objetivo, você se torna mais forte como pessoa, mais seguro inclusive para a sua vida pessoal, além do esporte. Você sai uma pessoa muito mais determinada de um experiência assim. Você sente que é um vencedor - explica.

O perrengue

- Virava a noite pedalando, peguei tempestade de vento, já deveriam ser umas dez ou onze da noite. Todas as noites fazia frio. Na segunda e na terceira noite, frio e chuva. Foram três noites ao todo.

O que levou

- Botei bagageiro na bike e roupas num saco. Foi um erro. Choveu e o saco não era impermeável, ficou pesado. E eu nem troquei de roupa. Carreguei peso extra à toa. Embaixo do banco, atrás, tinha bolsa com câmaras reservas e ferramentas. O pneu furou uma vez, porque bobeei e peguei um meio-fio. No quadro, na frente, eu tinha duas bolsinhas com a alimentação (barrinhas e gel). Tinha também duas garrafas de água ou isotônico. E mais uma bolsinha com celular e câmera de foto. Levava bateria reserva para as lanternas da bike. Eram duas lanternas traseiras e duas dianteiras.

O que vestiu e comeu

Usava uma camisa térmica por baixo, uma camisa de ciclista, um corta vento e um colete refletivo obrigatório à noite. A troca de roupa era feita sempre na hora das paradas para comer, já que a diferença de temperatura entre o dia e a noite era grande. Levei isotônico e gel repositor energético, além de barra de cereal. Eram 15 postos de controle, parava para carimbar o passaporte e comer. Comia macarrão à bolonhesa ou com frango, tomava suco de laranja, pegava umas frutas. Eu procurava me alimentar bem. Comia sanduíche e tomava coca-cola nos lanches.

A bicicleta

É uma Signal, americana, modelo Silverado. É uma bike híbrida, originalmente Mountain Bike, mas botei rodas de speed. O pneu é 700/28, com ele a bike fica mais confortável do que ficaria com o pneu 700/23, o tradicional de speed. Este vibra mais, é mais duro. Minha bike tem 20 anos, ela tem uma porção de adaptações. O câmbio original, por exemplo, era de 21 velocidades, hoje é de 30. O quadro está todo enferrujado, mas não pretendo trocar de bicicleta, não. Talvez de quadro.

Os momentos mais difíceis

- Foram na tempestade de vento lateral. E quando o sono batia forte, também.

Nem pensar em desistir

- Essa hipótese, de desistir, realmente não existia. Eu disse para mim mesmo que só pararia de pedalar quando cumprisse o percurso. Perdi muito tempo, às vezes de bate-papo, eu tinha que ter sido mais objetivo. Sem isso daria para chegar nas 90 horas em que deveria chegar. Mas fiquei muito feliz de completar.

Uma mancada

- A organização foi espetacular, tudo muito sinalizado. Mas pedalei 24km à toa, porque peguei o caminho errado. Foi um carteiro que me orientou, e aí voltei 12km, depois de pedalar para lugar nenhum por 12km. Não falo francês. Ele me avisou meio em francês, meio inglês, aí eu consegui compreender.

Quanto custou a aventura -


As passagens consegui com pontos do cartão de crédito. Fiquei num hotel com diária de 38 euros para dois, dividi com Claudio Guilherme, de Niterói, que conheci no Audax do Rio. Comprei um par de rodas lá, que usei na prova. No total, foram de R$ 3 mil a R$ 4 mil de despesa.

A família

- Sou casado e tenho dois filhos, a mais velha com 14 anos e o mais novo, com 11. Fiquei 17 dias fora de casa. Minha mulher me dá todo apoio, meus filhos também. Tinha muita gente que pedalava com a família acompanhando de motorhome. Não acho isso uma boa. O motorhome pode dar ao ciclista uma vontade de ficar de preguiça, esse conforto pode tirar o ânimo na prova.

Uma lição

- Na prova tinha bicicleta de tudo quanto é tipo, é permitido, desde que de propulsão humana. O que marcou mais para mim foi ver uma bicicleta para dois pedalarem ao mesmo tempo. Um dos caras era cego.

Uma conclusão

- A prova não é moleza nenhuma, é barra pesada. Mas quero mais.

O Paris-Brest-Paris, noticiado pelo De Bike em agosto (relembre aqui), parte do subúrbio de Paris e vai até Brest, na beira do oceano, retornando a Paris. O ponto de partida e de chegada é em Saint-Quentin-En-Yvelines, periferia da capital francesa. A prova é disputada a cada quatro anos, essa foi a 17ª edição.

Fonte:e-mail enviado para o grupo Ciclismo de Longa Distancia
(http://oglobo.globo.com/blogs/debike/)

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